A inclusão de velhice na 11ª revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11) pode ser revertida. De acordo com Juan Escalante, médico epidemiologista e consultor nacional da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), a plataforma de propostas de mudanças na CID-11 está aberta e encaminhamentos podem ser feitos online no site: http://icd.who.int.
A informação do médico foi um dos destaques da audiência pública sobre a inclusão de velhice na Classificação Internacional de Doenças, promovida na quinta-feira, dia 15 de julho, pela Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa (CIDOSO) e pela Comissão Externa para acompanhar políticas públicas sobre o envelhecimento saudável (CEXOMS). Na foto, a deputada Leandre (PV-PR), coordenadora da Comissão Externa, conduziu a audiência. Também participaram outros deputados, como o presidente da CIDOSO, Dr. Frederico (Patriota-MG).
O debate reuniu representantes de diferentes segmentos como saúde, direito e envelhecimento. Entre os encaminhamentos, um documento deve ser preparado pela CIDOSO em contrariedade à medida e foi proposto por Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-BR), a criação de um comitê a ser coordenado pelo Ministério da Saúde.
OPAS/OMS
A audiência foi aberta com Juan Escalante, que explicou que que revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) foi aprovada pelos Estados-Membros na 72ª Assembleia Mundial da Saúde, em 28 de maio de 2019, para entrar em vigor em 1 de janeiro de 2022. A decisão sobre sua adoção e prazo de implementação caberá a cada país.
A nova classificação, segundo o consultor nacional da OPAS, é resultado de uma colaboração entre médicos, estatísticos, analistas, especialistas em classificação e especialistas em tecnologia da informação do mundo todo. E trata-se do padrão global para relatar dados de saúde, documentação clínica e gerar estatísticas de saúde comparáveis em nível nacional e internacional.
O termo “old age”, a que se refere o código MG2A da CID-11 e tem gerado questionamentos, já que sua tradução é velhice, segundo Escalante, não é classificado como doença. Há categorias que vão além e incluem lesões, achados de exames e motivos do contato com o sistema de saúde, fornecendo categorias e padrões para registrar situações em que não é possível um diagnóstico claro.
O consultor nacional da OPAS destacou que qualquer pessoa que tenha uma contribuição ou um pedido de alteração para a CID-11 pode acessar o site e submeter sua proposta. As submissões, segundo ele, são sistematicamente analisadas por especialistas e consideradas para inclusão ou exclusão.
Saúde
Pelo Ministério da Saúde participaram da audiência Lucélia Silva Nico, coordenadora de Saúde da Pessoa Idosa, e Maria Cristina Hoffmann, assessora técnica. Cristina ressaltou que não se trata de ser contra a CID-11, pelo contrário é reconhecida sua importância no sistema de saúde. Porém, a inclusão do termo velhice não é a forma mais adequada de dar visibilidade as questões do envelhecimento.
A decisão, segundo assessora técnica, se mostra contraditória a outras ações da OMS como as diretrizes e orientações sobre envelhecimento saudável. Para ela, a substituição de senilidade por velhice causa estranhamento pela capacidade de confusão ou indução, mesmo que não seja a intenção, da utilização do termo por profissionais de saúde em sociedades onde ainda predomina o estigma e o preconceito contra a pessoa idosa.
A manutenção de velhice na classificação também representa uma violação do direito das pessoas idosas, de acordo com Cristina. Ela destacou a importância do debate em conjunto com diferentes profissionais, principalmente especialistas em envelhecimento e na saúde da pessoa idosa, para avançar cada vez mais na valorização e qualificação do cuidado ofertado a elas.
Vânia Herédia, que representou a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) na audiência, salientou que a inquietação em relação ao uso do CID-11 se baseia em que se não for bem interpretado pelos profissionais pode se perder dados e características dos agravos que atingem a população idosa, e ao invés de diluir o preconceito, alimentá-lo.
Para a representante da SBGG, classificar a velhice como doença em vez de algo natural do curso de vida, agudiza preconceitos e coloca o idoso em um lugar secundário, longe do protagonismo conquistado nos últimos anos.
A representante da Associação Médica Brasileira (AMB) na audiência foi a médica geriatra Ivete Berkenbrock, que também mostrou preocupação com a inclusão de velhice no CID diante de profissionais mal preparados, que podem optar por um caminho mais fácil decorando apenas um código. Para ela, a decisão não é condizente com o que a ciência vem construindo em prol do envelhecimento.
Ivete ainda fez uma importante pergunta: “Como será possível formular uma política pública se 60% dos códigos virem como velhice, e não como diabete, hipertensão arterial ou fratura de fêmur?”. E também citou a questão ética perante o idoso brasileiro já penalizado, especialmente neste período de pandemia, estando mais vulnerável, sendo preterido em leitos de hospital, e ainda diante do aumento da violência.
Saber gerontológico
Para Alexandre Kalache (foto), faltou um saber gerontológico nos comitês responsáveis pela nova CID, que certamente não deixaria passar em branco a inclusão de velhice. Segundo ele, embora não seja a intenção da CID, será cometido um erro porque a maioria dos médicos e enfermeiras não estão sendo treinados o suficiente com conhecimento em envelhecimento.
Kalache destacou ainda o paradoxo, já que enquanto a OMS combate o idadismo, também abre a porta para tratar a velhice, podendo levar a intervenções que não estão baseadas em evidências científicas. Ele propôs manter a pressão para reverter a inclusão, iniciada nas lives do canal O Que Rola na Geronto, e a criação de um comitê, liderado pelo Ministério da Saúde com a participação de entidades de diferentes setores, para apresentar soluções à OMS. Participe da campanha #velhicenãoédoença!
Direito da pessoa idosa
A última fala foi da presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência (AMPID), Maria Aparecida Gugel. Para ela, a medida traz insegurança jurídica e perplexidade. Que segurança é possível ter com uma classificação internacional de doenças que diz que toda pessoa com 60 anos ou mais é doente?
A necessidade de diálogo sobre o tema foi reforçada pela presidente da AMPID, que ressaltou que de antemão se sabe que a inclusão pode despertar o ato rápido e falho de um médico afirmar que uma pessoa de 60 anos ou mais velha é igual a uma pessoa doente. E finalizou citando o Estatuto do Idoso que prevê como um dever de todos e todas prevenir ameaça ou violação aos direitos da pessoa idosa.