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Alimentação: mude hábitos, invista na sua saúde

Sempre é tempo de mudar hábitos e estar atento ao que se come (Imagem de Adriano Gadini por Pixabay)

Com o envelhecimento é maior risco de desenvolver distúrbios nutricionais. A funcionalidade de atividades fisiológicas vai diminuindo, como a secreção gástrica e a sensibilidade à sede. É o que apontam Félix Neves e Ângela Wu, nutricionistas e doutorandos em Saúde Coletiva pelo Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo, e Luciana Tomita, nutricionista, doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP) e professora adjunta do departamento, que tem como professor titular e chefe do Setor de Estudos do Envelhecimento, o professor Luiz Roberto Ramos. Os temas ligados à nutrição têm sido abordados pelo grupo com o projeto Epidoso, que por meio de atividades de educação alimentar e nutricional visa estimular hábitos alimentares saudáveis e prevenir doenças crônicas na população do bairro Vila Clementino, Zona Sul de São Paulo. Saiba mais sobre o projeto no site.

Nova Maturidade: Como a redução das atividades fisiológicas afeta a nutrição das pessoas idosas?

Félix Neves, Ângela Wu e Luciana Tomita: Muitos idosos desenvolvem atrofia da mucosa gástrica, fatores que influenciam negativamente a absorção dos nutrientes provenientes da alimentação. É frequente a presença de alterações na ação de enzimas na cavidade oral e redução da capacidade mastigatória (devido à perda de dentes e uso de próteses mal ajustadas), o que prejudica diretamente o consumo alimentar levando a uma alimentação pouco variada.

NM: Que outros fatores podem ser prejudiciais?

Félix, Ângela e Luciana: Alguns condicionantes como o isolamento, a situação econômica e familiar, o estado psicológico, a depressão, autonomia limitada de realizar compras no mercado e preparar os alimentos ou se servir e o uso de medicamentos por um tempo prolongado podem também afetar na alimentação do idoso. A grande maioria dos idosos apresenta pelo menos uma doença crônica, o que implica no uso de um ou mais medicamentos que podem interferir na absorção de nutrientes.

NM: O que fazer para mudar este quadro?

Félix, Ângela e Luciana: Cuidados relacionados à alimentação precisam ser considerados, como a variedade da dieta (montar pratos coloridos para diversificar o consumo de nutrientes), a forma de preparo das refeições (evitar alimentos duros ou de consistência rígida), a mastigação (triturar adequadamente cada porção de alimento) e a ingestão hídrica (consumir pelo menos 2 litros de água por dia). Uma das formas para aumentar o consumo de água seria utilizar a água saborizada caso o motivo do baixo consumo for a falta de sabor.

NM: Quais os principais problemas alimentares que afetam as pessoas idosas?

Félix e Luciana: Entre as carências nutricionais mais prevalentes entre os idosos estão a desnutrição energético proteica e a deficiência de vitamina B12 e ferro, que têm como principal consequência a anemia perniciosa e ferropriva (existem outros fatores de risco, como as parasitoses, algumas doenças crônicas e do trato gastrointestinal). Apesar de possuir causa multifatorial, a desnutrição energético proteica está associada ao consumo insuficiente de calorias e proteínas.

NM: Quais as dicas para combater estes problemas?

Félix e Luciana: Aumentar o fracionamento das refeições (5 a 6 refeições por dia), evitar alimentos muito duros e rígidos ou utilizar técnicas para melhorar a sua textura (amaciar as carnes vermelhas utilizando azeite e mamão, por exemplo) e estimular o consumo de água são dicas importantes no combate à desnutrição e à anemia.

NM: A obesidade também é frequente? Por quê?

Ângela: Sim, porque durante o processo de envelhecimento há uma redução na taxa metabólica basal e a quantidade de massa magra corporal. Combinadas com a diminuição na atividade física, estas alterações implicam na redução das necessidades energéticas e no aumento do tecido adiposo, colaborando com o desenvolvimento de obesidade. Além disso, mudanças nos comportamentos e hábitos alimentares, como o aumento do consumo de alimentos calóricos que contribuem substancialmente para o ganho de peso e diminuição do consumo de frutas, verduras e legumes, e o sedentarismo colaboraram para o aumento do risco para o desenvolvimento deste agravo.

NM: Os idosos têm maior resistência a programas de reeducação alimentar?

Ângela e Félix: Na verdade, quando o assunto é mudança de comportamento, a resistência se aplica a qualquer grupo independente da faixa etária. Em adultos e idosos, a resistência pode ser maior devido ao período que eles demandaram para construir seus hábitos alimentares. Considerando que as mudanças nos hábitos alimentares não ocorrem de forma rápida, é preciso de um tempo para que as orientações nutricionais sejam incorporadas no cotidiano do indivíduo.

NM: Como estimular uma mudança de hábitos alimentares?

Ângela e Félix: Algumas atitudes são importantes na reeducação alimentar para que haja adesão por parte dos idosos, como procurar explicar a importância daquela informação, ao invés de apenas informar. É importante compreender, avaliar e discutir a perspectiva que o idoso tem em relação ao que se come, o prazer, as lembranças associadas ao alimento, o sabor e em quê se baseiam suas escolhas. Enfatizar e resgatar comportamentos positivos e conhecimentos preexistentes do idoso e trabalhar em cima destes é um dos recursos que ajudam na questão do aprendizado e no processo de mudança do que deve ser alterado. Além disso, sugerir novos jeitos de comer ou preparar os alimentos e pequenas metas alcançáveis são formas de dar segurança ao indivíduo.

NM: Como vocês trabalham esta questão no projeto Epidoso?

Ângela e Felix: No projeto estamos tendo a oportunidade de aplicar estratégias de educação, ligadas à alimentação, utilizando o aprendizado prévio do idoso como porta de entrada para a transmissão do conhecimento produzido pela ciência, aproximando a experiência deles das novas descobertas no campo da Nutrição.

NM: Qual o impacto da alimentação inadequada nas doenças crônicas mais comuns entre os idosos?

Félix e Luciana: A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e o Diabetes Mellitus tipo II (DMII) figuram entre as principais doenças crônicas que acometem a população idosa. Ambas possuem o comportamento alimentar não saudável como um importante fator de risco. Uma alimentação com elevado teor de gorduras e sódio, algo comum entre toda a população brasileira, está fortemente associado com o desenvolvimento da hipertensão. Quanto ao diabetes, o consumo excessivo de açúcares favorece o seu surgimento. Vale ressaltar que é muito comum entre os idosos o demasiado consumo de preparações feitas com farinhas refinadas e pobres em fibra (principalmente a de trigo), as quais possuem uma grande quantidade de açúcares. São doenças incuráveis e com grande chance de complicações (como má circulação, neuropatias, aterosclerose e diminuição da função renal) quando os hábitos alimentares inadequados não são corrigidos. Além disso, são fatores de risco para o desenvolvimento de outras doenças crônicas, como obesidade, dislipidemias e as doenças cardiovasculares. Portanto, a alimentação equilibrada e balanceada, com baixo teor de gorduras, sódio e açúcares é fundamental na prevenção ou tratamento da hipertensão, diabetes e outras doenças crônicas à elas associadas.

NM: E os suplementos alimentares são recomendados?

Félix: Como dito anteriormente, diversos fatores influenciam em baixos níveis de diferentes nutrientes na população idosa. Os suplementos alimentares são grandes aliados na correção das carências nutricionais, no entanto, só devem ser recomendados quando a deficiência é detectada através de exames bioquímicos e quando os valores adequados não são alcançados através da alimentação.

NM: Quais as principais recomendações para uma dieta saudável, são as mesmas para qualquer faixa etária?

Ângela e Luciana: Quando a questão é alimentação saudável, pode ser aplicado para qualquer faixa etária. A alimentação saudável não envolve apenas a variedade de alimentos, nutrientes ou forma de preparo dos alimentos, engloba também questões culturais, sociais, o como se come, com quem se come e considera os hábitos alimentares da pessoa. De acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira, para que o indivíduo tenha uma alimentação saudável, são sugeridos dez passos:

1. Utilizar os alimentos in natura e minimamente processados como base da alimentação, ou seja, inserir na alimentação alimentos que são retirados diretamente da natureza como as frutas, verduras e legumes, as carnes, as castanhas, os cereais e leguminosas e o leite;

2. Utilizar óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades, apenas para temperar e cozinhar e criar preparações culinárias;

3. Limitar o consumo de alimentos processados, ou seja, alimentos nos quais a indústria adicionou sal, açúcar ou outra substância de uso culinário para torná-los duráveis ou mais agradáveis ao paladar como conservas, queijos, frutas em calda e frutas cristalizadas e pães;

4. Evitar consumir formulações industriais como bolachas, sorvetes, salgadinhos, congelados, refrigerantes e outros, os chamados alimentos ultraprocessados;

5. Comer com regularidade e atenção, em local adequado e, sempre que possível, acompanhado;

6. Faça compras em locais que ofereçam uma boa variedade de alimentos in natura e minimamente processados;

7. Desenvolver e exercitar habilidades culinárias, de preferência partilhando-as com outras pessoas;

8. Planejar o tempo de forma que a alimentação tenha espaço necessário no dia a dia;

9. Dar preferência aos locais onde a refeição é preparada na hora, sempre que comer fora de casa;

10. Ser crítico em relação às informações transmitidas nas redes sociais ou nas mídias relacionadas à alimentação. (Katia Brito / Imagem de Adriano Gadini por Pixabay)

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