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Aparência: comunicação e expressão social

Andrea Lopes

O grupo de pesquisa, ensino e extensão Envelhecimento, Aparência e Significado (EAPS) criado na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) que comemorou dez anos em 2019 passa por um período de balanço com a certeza da importância do estudo da aparência. Veja mais sobre a história do grupo clicando aqui.

“A gente tem visto sistematicamente que a aparência promove muito ou o engajamento ou o isolamento. Ela pode tanto atrair as pessoas, como pode repelir. As idosas sempre nos contam de situações que elas sofrem bullying literalmente porque é velha, porque está acima do peso, porque é da Zona Leste. As pessoas olham e não precisa falar ou abrir a boca, começam a apontar o dedo. Muitas delas contam o quanto ficam cansadas de serem perseguidas praticamente por serem quem são”, explica a professora dra. Andrea Lopes, coordenadora do EAPS.

Diante dos padrões de aparência criados pela sociedade, a preocupação é com a compra de modelos prontos, o que contribui para endividamento na velhice. “São modelos produtivistas e que acabam gerando um consumo desenfreado. Muitas pessoas para atender aos modelos acabam se submetendo por exemplo a cirurgias plásticas, a cosméticos que não vão dar o resultado que elas querem, ficando mais frustradas que felizes”.

Outro ponto destacado pela professora é o foco do EAPS, vendo a velhice e o envelhecimento através da noção identitária e não patológica: “É parar de ver a velhice e o envelhecimento como uma perda. A gente tem isso muito claro que a gente quer que as pessoas se assumam, que usem a aparência como um instrumento identitário. Expressar que a aparência é comunicação, e isso o campo da Moda explora faz anos. Queremos que as pessoas usem da sua aparência, da forma de se apresentar socialmente como uma forma de expressar seus desejos, expectativas e condição, suas lutas”.

Valorização

E assumir a idade e a aparência contribui para fortalecer o movimento pelo envelhecimento digno e saudável. “Negar a velhice é uma forma de fragilizar um movimento politico. Se eu não sou velho porque que eu preciso ter Estatuto, ter  o PAI (Programa de Acompanhante de Idosos), um curso de Gerontologia, proteção social? Se a gente fizer uma conta rápida velhice é a parte da nossa vida que a gente vai viver mais tempo, e tá menos preparado individualmente e coletivamente”, afirma a coordenadora do EAPS.

A professora cita o conceito de reprivatização da velhice, criado pela professora de Antropologia da Unicamp, Guita Debert. “Ela combate a noção de privatização da velhice e a gente percebe como a aparência está no submundo ainda das relações, fica muito a cargo dos indivíduos e esses indivíduos às vezes se veem pressionados a ser quem não são, às vezes para caber em uma roupa e poder ir a um evento, para poder agradar”, destaca.

E o preconceito não está apenas na sociedade, mas entre os próprios idosos. “Várias delas falam: ‘olha eu tenho que prestar muito atenção, porque você sabe velho é fedido e aí vai que meus netos não querem vir mais’. É uma situação de ameaça, ou então: ‘eu tenho que parecer jovem para poder ir naquele evento e as pessoas me identificarem, saberem que eu estou aqui’. Isso é uma perversão sem limites. A gente não tem recursos emocionais, financeiros e materiais para sustentar uma mentira por tanto tempo. A nossa ideia é sempre trabalhar a aparência como uma forma de promover a heterogeneidade”, ressalta.

Questão que também esbarra na falta de representatividade. “Meu mestrado foi sobre a história da Gerontologia no Brasil, e a gente tem essas imagens dicotômicas ou você é um velho da terceira idade que é quase nenhum velho, ou você é um decadente e tem que morrer na ILPI (Instituição de Longa Permanência para Idosos), o que também é um equívoco porque as instituições de longa permanência são a grande saída para uma geração de pessoas solitárias e sozinhas”.

Para Andrea, o papel do grupo é colocar o questão da aparência em evidência. “A história da aparência é para explicitar mesmo, é uma coisa que você vê, que você pega, sente e não pode mais ignorar. É o nosso cartão, então a gente tem essa noção de estudar a aparência como uma forma de promover heterogeneidade, engajamento, explicitar as mensagens que são silenciadas cotidianamente, e de uma certa maneira fortalecer esse segmento social porque ele já é o segmento central do século XXI e a gente que continua insistindo no mais do mesmo, no tal do mito da juventude eterna”.

Autodescoberta

A Moda entrou na vida da professora dra. Andrea Lopes, coordenadora do grupo EAPS, muito antes do surgimento do grupo em 2009, na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). Na foto principal, a professora em sua participação no simpósio promovido pelo Instituto Paulista de Geriatria e Gerontologia (IPGG) José Ermínio de Moraes, realizado no início de novembro (leia mais no link).

“A vida inteira eu queria mudar mundo, achava que ia estudar teatro, várias coisas. Eu achava que moda era frescura, não ia salvar o mundo. E comecei a me atentar que eu já tive uma confecção quando era adolescente. Eu e uma amiga do colegial alugamos uma garagem na ZL (zona leste) e fazia camiseta, moletom, tudo para vender para pagar o cursinho”, conta a coordenadora do EAPS.

O pai da professora também era representante comercial e trabalhou com moda, a mãe também teve confecção e não para por aí. “Minha vó, que era analfabeta, sustentou os filhos depois de viúva como costureira. Sabe quando as coisas vão fazendo sentido”, explica.

Formada em Ciências Socias, e hoje professora da graduação e pós-graduação em Gerontologia na EACH, Andrea conta o que a Moda também a inspirou no início de seus estudos. “Um dos motivos porque eu fui fazer Ciências Sociais era porque eu queria estudar aquelas etnias africanas onde as mulheres usavam aqueles colares (compostos por várias argolas ao redor dos pescoço). Não só africanas como em  alguns países asiáticos também. Era super motivada, imaginava que eu ia lá conhecer aquelas mulheres maravilhosas, então isso foi tudo foi fazendo sentido, foi um processo de autodescoberta muito interessante”, revela. (Katia Brito)

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