Romper as barreiras da desigualdade social, da falta de moradia e acesso à saúde e educação de qualidade são alguns dos desafios para o envelhecimento ativo da população. Estes temas foram debatidos no Simpósio Internacional Envelhecimento Ativo, realizado em agosto pelo Centro Internacional da Longevidade (ILC, em inglês) Brasil. A desigualdade social foi um dos eixos de trabalho definidos no novo plano da entidade. Confira outras matérias sobre o evento no blog. Clique aqui.
Uma das palestras foi sobre etnia e raça com Alexandre Silva, doutor em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP e membro do Grupo de Trabalho Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Saiba mais sobre a entidade no link. O palestrante ressaltou as definições de raça, que são os aspectos genéticos transmitidos de geração para geração, e etnia: fatores culturais de um grupo transmitidos por meio da linguagem e pensamento. E etnia, que engloba fatores culturais de um grupo transmitidos por meio da linguagem e pensamento. Segundo ele, a mistura dos conceitos no Brasil e em diversos países contribui para evidenciar a desigualdade social.
Alexandre Silva destacou que o racismo é estrutural no Brasil e tem impactos na saúde e no trabalho. De acordo com ele, a grande maioria dos desalentados, que é como o IBGE classifica as pessoas que desistiram de procurar emprego, é de pessoas negras. E Alexandre ainda salienta que o racismo impacta em todo o ciclo de vida da população negra com menos consultas pré-natal, partos não humanizados e uma infância marcada pela violência.
O pesquisador afirmou que há diferentes níveis de racismo. Pessoal/internalizado que representa os sentimentos de inferioridade/superioridade e condutas de passividade/proatividade e aceitação/recusa. Interpessoal marcado por ações como falta de respeito, desconfiança, desvalorização, perseguição, desumanização e omissões ao lidar com o racismo e seus impactos. E institucional com a indisponibilidade e/ou acesso reduzido a políticas de qualidade, menor acesso à informação, participação e controle social e escassez de recursos.
Há levantamentos que indicam segregação residencial, ou seja, a redução da expectativa de vida de acordo com a região onde se mora. Em algumas regiões da cidade de São Paulo, por exemplo, a expectativa de vida é inferior a 60 anos. Na maior parte da cidade varia entre 52,5 a 64 anos. Regiões em que coincidentemente reside a maior parte da população negra. Apenas uma minoria dos habitantes da capital tem uma expectativa de vida entre 74,4 e 78,8 anos.
Soluções
E o que fazer para reverter o racismo e combater a desigualdade social? Para Alexandre é necessário fortalecer a discussão das questões raciais e de gênero nas áreas de saúde, trabalho, educação, lazer, cultura e direitos humanos; promover ações para o combate à discriminação racial, de gênero e etária; capacitação de profissionais; oferta de saúde e cuidados com foco na equidade, e garantir o acesso ao lazer e cultura para todos, assim como a segurança previdenciária, social, física e mental e inclusão digital.
Vera Luzia do Nascimento Fritz, presidente do Conselho Estadual do Idoso de São Paulo, fez um questionamento importante durante o evento sobre a apresentação de Alexandre. “E o que o negro está fazendo? Eu estou aqui porque lá atrás alguém disse ou você estuda ou você estuda. Falta a estrutura publica, mas tem o individuo. O que essas famílias estão fazendo pelos seus filhos?”. No blog você confere uma entrevista com Vera. Acesse o link.
Moradia
Quem também palestrou foi Inês Rioto, pesquisadora e consultora em moradia para a pessoa idosa, que agora também faz parte do Centro Internacional da Longevidade Brasil. Ela também já foi entrevistada pelo blog em um evento sobre moradia (Saiba mais aqui). Para Inês, moradia é fundamental para a segurança e bem-estar da pessoa idosa. E ainda um dos pilares do programa Cidades Amigas do Idoso da Organização Mundial da Saúde (OMS), que hoje conta com mais de 847 cidades e comunidades em 41 países.
Além de exemplos nacionais como os programas Vila Dignidade em São Paulo e Cidade Madura, na Paraíba, Inês destacou iniciativas internacionais. No Canadá, a cooperativa de solidariedade em habitação La Grande Vie foi criada em 2011 com 54 apartamentos de um ou dois dormitórios. No local moram 60 pessoas que pagam um aluguel que inclui três refeições, água, energia, aquecimento e condomínio. O valor pago é acessível para idosos de baixa renda e o suficiente para o funcionamento da cooperativa.
Em Portugal existe o Programa Aconchego, criado em 2004 na cidade do Porto. Casais ou pessoas sozinhas com mais de 60 anos são convidadas a dividir suas residências com estudantes universitários. Os jovens, entre 18 e 35 anos, precisam ajudar nas tarefas como fazer compras e ler correspondências e devem estar em casa das 22 às 7 horas cinco noites por semana. Inês também salientou como o local de moradia interfere na expectativa de vida, com uma diferença de até 20 anos entre regiões da mesma cidade.
Desigualdades
Marília Louvison, doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP, abordou a desigualdade social no Simpósio Internacional. Segundo dados apresentados por ela, os brasileiros pobres levariam nove gerações para atingir a renda média. Outro ponto importante é o reflexo da desigualdade na piora dos resultados em saúde pública, educação, obesidade e mobilidade social. E ainda a questão do cuidado. As pessoas com maior poder aquisitivo podem contratar cuidadores, enquanto os pobres têm de parar de trabalhar.
Citando Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional da Longevidade Brasil, Marília destacou que é necessário otimizar as oportunidades em saúde, participação, segurança e educação permanente a fim de aumentar a qualidade de vida das pessoas à medida que envelhecem. Para ela, devem ser criadas políticas públicas de enfrentamento às desigualdades. Sistemas de proteção social são possíveis, assim como políticas descentralizadas e de equidade.
Saúde como direito
Naomar Almeida Filho, professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e o médico de família e comunidade Eberhart Portocarrero-Gross trouxeram uma visão crítica sobre a promoção da saúde e o papel da atenção primária. Também integrante do ILC Brasil, Eberhart atua na Clínica da Família Maria do Socorro Silva e Souza, na Rocinha, no Rio de Janeiro.
Segundo Naomar, a doença é plural e multifacetada, regida por uma lógica de complexidade e moderada tanto pela ordem biodemográfica como sociocultural. E não há antagonismos entre saúde e doença, ambos são fenômenos da vida. O que é preciso, de acordo com o professor, trabalhar na perspectiva da saúde como direito. Abrir espaço para a escuta sobre o que é saúde, ao invés de monetizar para que se torne um serviço, bem ou produto.
Naomar defende que é antagônico pensar saúde com objetivo de promoção da saúde em relação ao discurso de consumo. Para Eberhart, o desafio está em harmonizar os vários conceitos, os padrões socialmente aceitos de promoção de saúde, com a realidade das comunidades, com o contexto vivido por cada indivíduo. São ideias, segundo ele, que sufocam e culpam a vitima. (Katia Brito / Imagem principal: Imagem de Sri Harsha Gera por Pixabay)