Investir em desafios intelectuais, como leituras, jogos de raciocínio e exercícios de memória, e manter um estilo de vida saudável contribuem para uma melhor reserva cognitiva. O que auxilia na proteção contra o declínio das habilidades mentais relacionados à idade e na diminuição do risco de desenvolver doença de Alzheimer.
Neste dia 21 de setembro, Dia Mundial do Alzheimer, o blog Nova Maturidade traz uma entrevista especial sobre estimulação cognitiva com a profa. dra. Thais Bento Lima da Silva, do curso de Graduação em Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) e assessora científica e consultora do Método Supera.
A professora também é pesquisadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (GNCC-FMUSP), coordenadora do Curso de Pós-graduação em Gerontologia da Faculdade Paulista de Serviço Social (FAPSS) e membro da diretoria da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz) – Regional São Paulo e da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG).
“Com uma maior reserva cognitiva, as pessoas são capazes de achar estratégias compensatórias para possíveis dificuldades, otimizando o desempenho. Por isso, é importante o estímulo cognitivo, desde as fases iniciais até as mais avançadas da vida”, afirma a pesquisadora. Confira a entrevista completa:
Nova Maturidade: Qual a importância da estimulação cognitiva para o envelhecimento saudável?
Thaís Bento Lima da Silva: A reserva cognitiva, que é popularmente conhecida como poupança cognitiva; fruto de um investimento que acontece no decorrer da vida de um indivíduo. Em outras palavras, o cérebro se desenvolve de acordo com suas experiências pessoais; quanto mais complexas, maior o estímulo da formação de conexões neurais e menor o índice de desenvolver alguma demência.
NM: Quais as principais ações podem ser desenvolvidas? O que é levado em conta no momento de propor um plano de ação?
Thaís: A estimulação cognitiva é uma intervenção, que objetiva fornecer estímulos em sessões ou aulas, a partir de jogos de estratégias, exercícios para treinamento da atenção, da memória, da linguagem, atividades escritas, atividades com músicas – todas geram novas conexões neurais, deixam os neurônios mais integrados e mais rápidos, e resultam em um melhor desempenho em testes neuropsicológicos e psicotécnicos. Consequentemente, uma sensação de melhor qualidade na realização das tarefas cotidianas. Essas atividades geram mecanismos chamados de compensatórios nas habilidades cognitivas, gerando ganhos que otimizam o desempenho.
É muito importante fugir da rotina e usar estratégias que desafiem o cérebro, tendo um engajamento em atividades diversificadas. Cuidar da saúde do cérebro, com o aprendizado de novas informações, e também com os desafios mentais como a neuróbica, como: um músico, por exemplo, deve ler partituras diferentes das que está habituado; uma cozinheira, fazer sempre novos pratos; nas atividades escolares ou cognitivas escrever com a mão não dominante, no caso um canhoto, escrever, com a mão direita, e um destro escrever com a mão esquerda, colocarmos o relógio em mão diferente, mudarmos um caminho rotineiro.
NM: É um trabalho indicado apenas para pessoas idosas?
Thaís: A estimulação cognitiva pode ser feita em qualquer fase da vida, e hoje quando falamos no incentivo de práticas de um estilo de vida saudável em todas as fases do curso de vida, temos estudado, o quanto esta intervenção deve ser praticada o quanto antes possível, para proporcionar a consolidação de uma boa reversa cognitiva ao longo da vida.
A reserva cognitiva existe, para auxiliar em nossa sobrevivência nos deixando mais rápidos; para nos proteger contra o declínio das habilidades mentais relacionados à idade e na diminuição do risco de desenvolver doença de Alzheimer. Ou seja, quanto melhor for o estilo de vida do indivíduo, melhor será a sua reserva cognitiva em outras palavras uma “poupança cognitiva”, que é acionada quando necessário para suprir algum déficit do funcionamento cerebral, ou um momento de proteção em relação à possíveis situações de risco para a saúde do cérebro.
NM: Para os idosos, quais os principais benefícios da estimulação cognitiva? Eles podem ser constatados mesmo em quem já tem um quadro de comprometimento cognitivo leve ou demência, como o Alzheimer?
Thaís: Quando um indivíduo recebe o diagnóstico de com diagnóstico de comprometimento cognitivo leve e/ou doença de Alzheimer, é necessário buscar os tratamentos disponíveis, para poder auxiliá-lo a ter uma melhor qualidade de vida assim como para estabilizar o avanço dos estágios da doença, o que indiretamente acaba favorecendo a qualidade de vida de seus familiares/cuidadores.
Os tratamentos atuais da doença de Alzheimer são divididos em dois tipos, tratamentos farmacológicos e tratamentos não-farmacológicos. Dentro do grupo dos tratamentos não-farmacológicos temos por exemplo, a estimulação cognitiva, que é uma terapia, que visa estimular as habilidades cognitivas do indivíduo e fornecer pistas para que ele consiga orientar-se para a realidade, e resgatar as suas lembranças vividas, mantendo habilidades preservadas e estimulando as habilidades mentais prejudicadas.
NM: Quais atividades podem ser desenvolvidas nestes casos?
Thaís: Sugere-se a realização de atividades que reflitam em significados para os indivíduos diagnosticados com estes transtornos neurocognitivos, então é sempre importante inserir atividades, que possam associar às preferências e aspectos culturais que o indivíduo apresentava antes da doença.
Também é importante valorizar a sua história de vida mostrando fotografias de eventos marcantes para o indivíduo (casamento, aniversários, formatura, viagens realizadas entre outros); ouvindo músicas de seus artistas preferidos, apresentando imagens e nomes dos novos membros da família, são exemplos de atividades que irão resgatar a história de vida, gerando uma sensação de pertencimento e de orientação quanto a quem é enquanto indivíduo.
É importante destacar, que o diagnóstico da doença de Alzheimer, não é sinônimo do final da vida do indivíduo, ele continua sendo quem ele é, deve ser valorizado, porém está em um tratamento de saúde, e precisa ter a sua rotina preenchida com atividades que serão importantes, para mantê-lo o mais tempo possível estabilizado em relação ao quadro da doença, assim como amenizar a sobrecarga emocional e o estresse que os cuidadores vivenciam por causa da evolução da doença.
NM: A estimulação cognitiva contribui para a prevenção do Alzheimer ou para adiar o surgimento da doença? Como isso ocorre?
Thaís: De acordo com estudos científicos, sabe-se também que um fator preventivo muito importante, para a proteção do desenvolvimento de demência, é a realização de exercícios intelectuais. Popularmente conhecidos como exercícios de ginástica cerebral, estes exercícios são indicados como estratégias para se praticar as ações estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a redução de risco de demências.
A estimulação cognitiva, resulta em processos chamados neurogênese, que é o nascimento neurônios. Ao nascerem estas novas células no cérebro – no caso os neurônios, assim como facilita o mecanismo de plasticidade neural, tornando o cérebro mais resistente ao acúmulo de proteínas tóxicas que podem degenerar as suas células e estará mais protegido dos riscos do desenvolvimento de doenças neurológicas e degenerativas, como as doenças cerebrovasculares e as demências, sendo a mais prevalente a Doença de Alzheimer.
NM: As atividades também são indicadas para os cuidadores desses pacientes, em alguns casos também idosos?
Thaís: Em relação aos cuidadores de idoso com diagnóstico de demência, mesmo cuidando de um ente querido, todos os cuidadores devem olhar para o seu processo de envelhecimento e perceber que algumas atividades de autocuidado são importantes para a promoção da sua qualidade de vida. Tendo em vista, que o processo de cuidar é uma ocupação, e função importantes e que há um desdobramento da pessoa para compreender e executar as tarefas de modo satisfatório. Além disso, para envelhecer com autonomia e independência, e saúde.
A estimulação cognitiva pode ajudar tanto os cuidadores como os pacientes, pois alguns comportamentos podem mudar ao decorrer do tratamento. Sabemos que a maior parte dos cuidadores familiares são pessoas idosas ou estão chegando na fase da velhice. Pensando nisso, a estimulação cognitiva pode ser uma estratégia do autocuidado para o cuidador. O cuidador pode ter doenças incapacitantes devido à sobrecarga e com isso, podemos até pensar no declínio cognitivo que a longo prazo pode evoluir para um quadro demencial.
Dicas de atividades cognitivas e sociais para prevenir a presença de sintomas depressivos:
- Atividades de atenção como jogos dos sete erros, caça-palavras, sudoku, o ábaco;
- Participar de atividades de grupos, para conhecer e conviver com pessoas, que possam fortalecer a rede de suporte social;
- Conhecer as atividades do bairro, novidades da região em que vive;
- Fazer projetos de vida, planejar a realização de um curso, de uma viagem, de fazer uma visita a alguém querido;
- Escrever sempre em um caderno, as coisas boas que estão acontecendo em sua vida, o caderno da gratidão;
- Aos adultos de meia idade, que estão em atividades ocupacionais, é importante planejar o processo de aposentadoria, para que o rompimento com o mercado de trabalho, não gere a sensação de ociosidade, não ocasione o isolamento;
- Buscar auxílio profissional se os sintomas depressivos foram persistentes e frequentes, e gerar impacto na qualidade de vida e na realização das tarefas cotidianas;
- Praticar atividades físicas auxilia o cérebro, na produção de neurotransmissores do humor, como a serotonina, auxiliando assim para a estabilização do humor;
- Buscar fazer atividades que gerem prazer é fundamental.
NM: Qual a mensagem para este mês, marcado pela conscientização da doença de Alzheimer?
Thaís: Desde o ano de 2019, a Associação Internacional de Alzheimer (sigla em inglês ADI) verificou a importância de se discutir o tema Doença de Alzheimer, pois para muitas pessoas é lidar com o desconhecido, mesmo que muitas vezes convivamos com indivíduos portadores da doença de Alzheimer, sendo lançada a campanha “Vamos falar sobre demência?”.
Neste mesmo ano, foi lançada uma pesquisa pela ADI, em parceria com a Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz) e outras entidades de outras nações, e os dados encontrados também nos fizeram refletir ainda mais sobre o tema demências, pois os resultados da pesquisa mostraram que duas de cada três pessoas entrevistadas achavam que não se falava sobre demências em seus países.
NM: É preciso falar mais sobre esta doença de Alzheimer?
Thaís: Embora para muitas pessoas pareça algo negativo, pejorativo ou até mesmo cause estranhamento, por não ser um profissional estudioso desta área, o objetivo da campanha foi mostrar que temos que sensibilizar a sociedade para a prevalência de demências, mostrando formas de identificar e de reconhecê-la em nosso meio buscando assim, um tratamento em fase inicial, assim como a realização de hábitos de vida preventivos, para envelhecer com saúde, longevidade, e com a preservação da saúde mental.
Algumas pessoas têm dúvidas se seu familiar tem o diagnóstico de doença de Alzheimer, ou de outra demência, pois muitas vezes saem com a informação geral do consultório médico que seu familiar tem demência senil, e que a mesma não é a doença de Alzheimer.
Normalmente este diagnóstico tem sido informado para facilitar a compreensão do cuidador familiar, mas do ponto de vista técnico e científico, o mais apropriado é informar o nome da demência, pois se falamos demência senil, não estamos dizendo qual demência o indivíduo desenvolveu. Estamos informando apenas que ela aconteceu após os 60 anos de idade. Ou seja, ter acesso à informação, auxilia no manejo do tratamento, e no suporte do cuidador.
(Imagens: Método Supera / Divulgação)
Parabéns pela reportagem!! Muito rica de esclarecimentos e orientações!!👏👏👏