Representante do Movimento #StopIdadismo em Portugal, José António Carreira desde 2008 se dedica a causa do envelhecimento: “Fiz um trabalho acadêmico sobre maus-tratos a pessoas idosas e percebi que apesar do aumento da esperança média de vida, as perspectivas sobre o envelhecimento não são as melhores. Acreditei que poderia contribuir, ainda que possa ser uma gota de água num oceano, para construir uma comunidade para todas as idades”.
José Carreira é master em Atenção a pessoas com Alzheimer e outras demências, pós-graduado em Direito do Envelhecimento, tem mestrado em Trabalho Social e especialização em Minorias e Cidadania. Para ele, “as pessoas idosas, mesmo que ativas, são globalmente encaradas como pessoas frágeis, doentes e dependentes, o que promove fenómenos de desrespeito pelos seus direitos, exclusão, marginalização e, não raras vezes, situações de crime e violência”. Saiba mais sobre ele e o trabalho que desenvolve a favor das pessoas idosas nesta entrevista ao blog Nova Maturidade.
Nova Maturidade: Como é o trabalho que você desenvolve?
José Carreira: Trabalho nas Obras Sociais Viseu desde 2001 e presido a instituição desde 2012. Esta instituição trabalha para ser um parceiro de referência na intervenção social e comunitária. Tem como missão contribuir para a longevidade feliz das pessoas, ao longo do seu percurso de vida, promovendo, na comunidade em que nos inserirmos, a saúde, a segurança, a participação e a aprendizagem, potenciando a autonomia, a não discriminação e a inclusão.
NM: E o projeto Envelhecer?
José Carreira: O projeto Envelhecer – https://envelhecer.pt/ – foi fundado por mim em 2019 e tem como grande objetivo contribuir para uma nova longevidade saudável, ativa e feliz. Nós trabalhamos para combater o preconceito e o estigma associados ao processo de envelhecimento. Abordamos diversos temas – moda, cultura, viagens, divulgação de projetos (…) – organizamos eventos e apoiamos movimentos e iniciativas que contribuam para a otimização das oportunidades de segurança, saúde, participação e aprendizagem ao longo da vida.
NM: Como a população portuguesa encara o envelhecer?
José Carreira: Apesar de vivermos numa sociedade cada vez mais envelhecida, continua a predominar entre nós uma visão negativa do envelhecimento – populacional e do indivíduo. Todo o grupo populacional a que pertencem estas pessoas é encarado pelas camadas mais jovens da população – a população ativa – como um encargo económico e social que pesa nos bolsos do Estado e que lhes retira oportunidades de crescimento e prosperidade. É fundamental desconstruir os mitos que persistem acerca do envelhecimento, dissociando as ideias de envelhecimento, doença e encargos sociais, e conferir às pessoas idosas uma participação mais equitativa e uma visibilidade mais justa.
NM: Você avalia que a percepção sobre a população idosa vem mudando?
José Carreira: A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima, de fato, que uma em cada seis pessoas com 60 ou mais anos seja vítima de violência. O idadismo está presente na nossa maneira de pensar, sentir e agir, como podemos constatar no recente relatório da OMS. Está fortemente enraizada na sociedade a visão negativa, estigmatizante, preconceituosa em relação às pessoas mais velhas. Recordo, com muita tristeza, um episódio lamentável de um deputado português que falou em “peste grisalha”. Temos outros exemplos, a discriminação e o preconceito em relação às pessoas mais velhas, em função de um único critério, a sua idade cronológica, não têm merecido a justa e necessária atenção da comunidade.
NM: São muitos os exemplos de idadismo?
José Carreira: Os exemplos de idadismo multiplicam-se em Portugal e no mundo. A presidente da Comissão Europeia, Ursula Van der Leyen, avançou a ideia de que as pessoas mais velhas poderão ter de ficar em confinamento até ao final do ano; o vice-governador do Texas, que se opôs às medidas de isolamento, verbalizou: “os velhos norte-americanos estão dispostos a morrer para salvar a economia do país”; Ramalho Eanes, antigo presidente da República (Portugal) preconizou:“Nós, os velhos, vamos ser os primeiros a dar o exemplo. Não saímos de casa, recorremos sistematicamente aos cuidados que nos são indicados e mais, quando chegarmos ao hospital, se for necessário oferecemos o nosso ventilador ao homem que tem mulher e filhos”. A pandemia trouxe à tona a ponta de um icebergue, visibilizou muitas das atitudes idadistas.
NM: Quais os desafios para que a população idosa seja devidamente valorizada? Você acha que a intergeracionalidade é um caminho?
José Carreira: Sim, ações intergeracionais, educação e novas políticas sociais serão determinantes para que tenhamos uma comunidade amiga das pessoas idosas. A melhor estratégia, como aconteceu, por exemplo, com a educação ambiental ou rodoviária, é iniciar uma pedagogia desde o ensino pré-escolar até ao ensino universitário. Por exemplo, nas disciplinas de educação para a cidadania devem ser introduzidos estes temas de modo a que as crianças e jovens olhem para os seus pais e avós como seres humanos detentores de direitos.
NM: Como você se integrou ao movimento #StopIdadismo?
José Carreira: Ao ler o Entre Mayores (fevereiro de 2021), jornal especializado nas pessoas idosas, nos profissionais e nas empresas do setor sociosanitário, ao chegar à página 13, deparei-me com um rosto distinto, marcado por um olhar lindo. Pontificaram dois belos olhos azuis e uma mensagem chave: #STOPEDADISMO. Tratava-se de uma campanha lançada pela ASISPA – Atención a Personas – com o objetivo de chamar a atenção para a terceira causa de discriminação mais comum no mundo: o idadismo. Aceitei o desafio: “Junta-te ao movimento #StopEdadismo”. Do primeiro contacto com a ASISPA à nossa primeira ação, “Qué sociedad construimos sin los mayores” – Mesas de reflexão contra o idadismo, não tardou uma semana. Unimos forças e decidimos replicar o movimento em Portugal, assim surgiu o projeto #StopIdadismo com foco nos países de línguas oficiais portuguesa e espanhola.
NM: O movimento tem como base o relatório da OMS sobre idadismo?
José Carreira: Em março foi publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras agências das Nações Unidas, o relatório Global Report on Ageism que concluiu que uma em duas pessoas discrimina pessoas idosas, com atitudes que agravam a sua saúde física e mental e reduzem a sua qualidade de vida. Perante esta realidade, que afeta um número cada vez maior de pessoas em todo o planeta, e considerando a aceleração do envelhecimento da população, a OMS fez um apelo por iniciativas que combatam o chamado idadismo, comportamento que ficou ainda mais evidenciado com a pandemia de covid-19. Entusiasmados com o movimento iniciado em Espanha – #StopEdadismo e desafio da OMS – #Aworld4AllAges – fomos somando contactos e adesões ao recém-criado e vincadamente orgânico movimento cívico #StopIdadismo.
NM: Como está a adesão ao movimento?
José Carreira: Rapidamente um conjunto de organizações sociais e meios de comunicação de países iberoamericanos reuniram as condições necessárias para lançar o Movimento Global #stopidadismo. Em Portugal a IPSS Obras Sociais de Viseu, a ONG Together International Portugal, as revistas Envelhecer, Bica e AmoViseu somaram-se à campanha que acabou por cruzar o Atlântico com as adesões, no Brasil, do Portal Longevinews, Aptare e 50 Mais Aprendiz Digital. As adesões não param de acontecer e a iniciativa também conta com apoios na Argentina, Cuba, México, Panamá, Venezuela, Chile e El Salvador.
NM: Como você avalia a importância dessa iniciativa?
José Carreira: O objetivo central do movimento #StopIdadismo é produzir e difundir informações, reflexões, dados atualizados e outros elementos que contribuam para ações organizadas de combate ao idadismo. As mensagens e informações produzidas e partilhadas pelos parceiros da campanha #StopIdadismo serão disseminadas pelas redes sociais e pelos veículos próprios das organizações associadas. No dia 30 de abril, realizamos a nossa primeira ação e lançamos a Campanha #VamosFalarDeIdadismo. Foi o tiro de partida para um percurso longo que temos pela frente. Contudo, tudo faremos para eliminar o idadismo.
NM: Você tem outros projetos?
José Carreira: Sim, estou a trabalhar num projeto de combate ao isolamento e solidão não desejadas da pessoa idosa. No nosso país, 400 mil idosos vivem sozinhos e 800 mil vivem com outros idosos. Portugal é um dos seis países que envelhece mais depressa. 69,2% dos portugueses com mais de 65 anos considera-se não saudável em função de fatores como: a dor; o sentimento de solidão; dificuldade em ouvir; dificuldade em ver; perda de memória… A grande maioria das pessoas idosas, que não se considera saudável, sente-se só. A solidão mata! Theresa May chama-lhe a “triste realidade da vida moderna”.
NM: Como combater a solidão?
José Carreira: A solidão no Reino Unido é por muitos considerada uma autêntica epidemia e atinge uma população quase do tamanho da portuguesa. Como resposta à problemática, foi criado o Ministério da Solidão, dirigido pela ministra Tracey Crouch e que tem como missão principal “garantir a maior coordenação possível de todos os ministérios na luta contra o problema”. Não sei se terá sentido criar um ministério idêntico em Portugal, mas tenho a certeza de que são urgentes políticas públicas consensualizadas e adaptadas à realidade demográfica que caracteriza o nosso país.
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