Nova Maturidade

Milton Feliciano: referência para o teatro de Mogi das Cruzes

Milton Feliciano de Oliveira subiu no palco pela primeira vez ainda na adolescência no Instituto Dr. Washington Luiz, quando ainda funcionava no prédio que hoje dá lugar à Pinacoteca de Mogi das Cruzes. Nascido em Taubaté, no interior do Estado de São Paulo, em 1954 se mudou para Mogi das Cruzes. Na cidade se tornou escritor e poeta amador e um dos fundadores do Teatro Experimental Mogiano (TEM) que completará 55 anos em 2020. O grupo fez sucesso nos anos 1960 e 1970 com apresentações em Mogi e em outras cidades e prêmios conquistados em festivais.

Entre Porto Alegre (RS), onde a família mora, e arte e os amigos que deixou em Mogi, Milton Feliciano está desde 1990, ano das comemorações de 25 anos do TEM (saiba mais sobre o grupo no link). Ele voltou à cidade oito anos depois de partir para a capital gaúcha devido ao trabalho. Em setembro de 2019, quando completou 76 anos foi homenageado pela Câmara Municipal de Mogi das Cruzes com a Placa do Mérito Cultural Sant’Anna.

Aposentado, hoje Milton Feliciano se dedica a apresentações pontuais na cidade como no dia 12 de setembro, quando é comemorado o Dia Municipal da Seresta. Milton Feliciano reuniu no palco do Teatro Vasques, em Mogi, integrantes do TEM e do Núcleo de Cultura Ousadia para o musical “Tem Amor Sob o Luar”.

No dia 9 de novembro, às 19 horas, o Centro Cultural de Mogi das Cruzes vai sediar as celebrações dos 50 anos do I Encontro Estudantil de Música Livre, o Festival da Associação Mogiana de Belas Artes (Amba). Os vencedores de 1969, como Milton Feliciano e o parceiro Miguel Colella, vão participar. A entrada é gratuita. Saiba mais sobre Milton nesta entrevista ao blog Nova Maturidade.  

Nova Maturidade: Como você começou no teatro?

Milton Feliciano de Oliveira: Naquela época a gente participava do grêmio e eu fazia muitas imitações de políticos e professores. Eu e mais um amigo fazíamos muitas brincadeira nas arquibancadas e às vezes o pessoal rodeava para ouvir as besteiras que a gente fazia. Ele fazia um entrevistador e eu dependendo do que ele perguntava, imitava o personagem. Era assim um improviso total. O presidente do grêmio me convidou para participar de um programa estudantil que eles faziam no auditório. Eu nunca tinha subido em um palco, não sabia o que era teatro. Fui lá fazer as imitações e dali não sai mais.

NM: Que atividades vocês faziam com o grêmio?

Milton: A gente fazia o programa estudantil e várias atividades. Eu escrevia e dirigia um show mensal e fazíamos também um programa estudantil na Rádio Marabá. Em 1962, eu criei o grupo para declamação de poesias e isso foi até 63 quando eu fui presidente do Grêmio Estudantil Ubaldo Pereira. Depois em 1965, a gente criou a Semana Mello Freire de Cultura e da Semana surgiu o Centro Mello Freire de Cultura.

NM: O que motivou a criação do Teatro Experimental Mogiano (TEM)?

Milton: Nós fomos assistir “Arena contra Zumbi” em São Paulo, eu e os primeiros fundadores do TEM. Nós gostamos imensamente da peça e realmente é muito boa. Até hoje é sucesso. A gente voltou e resolveu que podia criar um grupo de teatro em Mogi. Eu escrevi uma peça chamada “Tiradentes em Tempo de Inconfidência”. A gente começou a ensaiar no começo de 1965. Entre outubro e novembro, a peça foi proibida pela censura. Não era nem censura, na verdade era o Departamento de Ordem Política e Social, o Dops. A gente ficou meio no ar, sem pé, sem chão, e resolvemos fazer um show musical.

Milton Feliciano e o grupo do teatro experimental mogiano
TEM celebrou 50 anos em 2015 (Reprodução Facebook)

NM: Como foi este primeiro espetáculo do TEM?

Milton: Nós criamos o show “Tem Poesia e Bossa”. Era uma montagem com vários trechos de peças, poesias e músicas. Apresentamos no dia 15 de novembro de 1965 no palco do Instituto Dona Placidina. Foi uma noite muita mágica e surpreendente. Até uma cantora que estava visitando Mogi apareceu e acabou dando uma canja pra gente. O show foi um sucesso e nós reapresentamos no antigo Liceu Braz Cubas na rua Francisco Franco (centro de Mogi). O auditório agora vai se chamar José Ralf de Campos, que foi um ex-presidente do TEM, e nós pretendemos fazer alguma coisa para inaugurar o novo nome do auditório.

NM: E depois desse sucesso, como seguiu o trabalho do TEM?

Milton: Um amigo nosso que mais tarde foi assassinado pela ditadura nos sugeriu montar uma peça de Bertold Brecht. Na verdade a gente nem sabia quem era Bertold Brecht, éramos muito autodidatas em termos de teatro. Nós fomos pesquisar o que era o Brecht, o que era o sistema Brecht de apresentação e resolvemos montar “A Exceção e A Regra”. A gente fez algumas músicas para emendar os textos e nós surpreendemos o público.

NM: O que surpreendeu o público na apresentação de “A Exceção e A Regra”?

Milton: Não sei explicar se era meio pop art. Nós não tínhamos cenário. O cenário era feito pelo pessoal que formava o coro. Eles faziam as cenas e a gente se movimentava na frente deles ou na formação que eles tinham. Eles formavam o rio, o deserto, e a gente caminhava por esse ambiente. Foi um sucesso extraordinário e nós ganhamos o Festival do Interior e depois fomos vice-campeões estaduais com uma apresentação em São Carlos. Fomos para o Rio de Janeiro e ganhamos todos os prêmios do concurso. Apresentamos em vários locais do Estado de São Paulo, foi um marco.

NM: Quais as outras peças e shows que foram destaques do TEM?

Milton: Entre uma peça e outra, a gente fazia alguns shows. A gente fez o show “Tem Bossa na Praia”, um show de Natal e depois eu escrevi “O Drama de Canudos”. Montamos a peça e foi também um grande sucesso. Em 1968 eu tinha escrito a peça “Amor (Te) Natal” e quando estava para ser apresentada a polícia proibiu. Um pessoal de Mogi montou a peça assim meio que escondido. Amor (Te) Natal foi uma peça muito bem sucedida. Em 1980 quando foi liberada, a gente fez a montagem e quando terminou o espetáculo eu ia saindo e duas senhoras falaram: ‘podia ficar proibida mais uns 20 anos’. Em 2015, a gente gravou no Emam (Estúdio Municipal de Áudio e Música, de Mogi) um radioteatro da peça. Para quem não conhece a novela de rádio é muito bom.  

NM: Até quando você participou do TEM nesta época?

Milton: Eu participei do TEM montando peças até 1977, quando eu e o Toninho Ferreira montamos uma peça de minha autoria chamada “Bandeirinha ou Boné, Cavalheiro?”. Uma coincidência muito grande, porque no dia 27 de maio nasceu a filha do Toninho e dia 28, meu filho. A bandeirinha e o boné. Foi uma coincidência muito agradável, mas a gente parou de montar, de apresentar. Nesse ano a gente apresentou a peça em um festival em Pindamonhangaba e teve uma coisa interessante. A gente ganhou alguns prêmios, mas não o principal. Segundo o júri, fazer um monólogo de mais de uma hora é muito fácil. Mas a peca rendeu bons resultados.

NM: Você chegou a se afastar completamente do TEM?

Milton: A gente continuou por aqui fazendo alguma coisa, mas o mais importante foi um show comemorativo dos 25 anos (do TEM) em 1990. “O Reencontro”. Nesse intervalo que eu estava mais ou menos afastado o TEM continuou e criou inclusive o Festival de Teatro Amador de Mogi das Cruzes (atual Festival de Teatro Estudantil de Mogi das Cruzes – Festemc). Eu tenho um pezinho nesse lado também. Voltei em 1990 pra fazer o show e depois comecei a vir esporadicamente pra Mogi muito em função do pessoal da Fanfarra (dos anos 60 do Instituto Educacional Washington Luiz) que faz os encontros anuais.

NM: Como foram as comemorações dos 50 anos do TEM em 2015?

Milton: Em 2013 a gente começou a pensar em comemorar o cinquentenário do TEM, o jubileu de ouro. Em 2014 a gente fez um show e apresentou várias vezes, mas contando a história do TEM. Em 2015 sim a gente fez uma extensa programação comemorativa que teve como ponto alto o Show do Jubileu. Foi uma loucura porque eu escrevi o texto e convidei vários grupos de Mogi para apresentarem partes de coisas que o TEM tinha feito. Cada um ensaiou seu trecho e ninguém sabia o que ia acontecer fora eu. Foi uma experiência legal porque nós fizemos um show de 3h20 no Vasques (Teatro) e terminamos com pelo menos 80% da plateia.

NM: E a partir daí o que você tem feito? Nunca pensou em se profissionalizar?

Milton: A gente tem feito shows quase todo ano. A gente não faz por dinheiro, nunca pensou em profissionalização. Tivemos alguns elementos do TEM que se tornaram profissionais de teatro. O Armando Sérgio entrou para a ECA (Escola de Comunicação e Artes da USP) e virou um grande professor, Ricardo Blat, Benê Rodrigues que virou um dramaturgo profissional em São Paulo. Eu nunca me arrisquei ou quis arriscar profissionalmente. É bom porque eu não tenho tanta responsabilidade, faço porque gosto e o pessoal faz comigo porque gosta de fazer. Nós temos hoje no elenco do TEM várias pessoas que estavam desde o começo em 1965.

NM: O que te inspira a escrever?

Milton: Eu não sei explicar, eu sento e escrevo. Como o pessoal gosta, eu continuo fazendo. Eu publiquei um livro em 1990 com todos os poemas e letras de música que eu tinha feito com o TEM e fora do TEM. Por exemplo, o Miguel Colella chegou pra mim em 1969 e falou: ‘estou querendo fazer uma música sobre viagem interplanetária’. Pra mim, tem o assunto, eu penso nele um pouco depois eu deixo o cérebro trabalhar e não incomodo o cérebro. Não fico mastigando aquele assunto. Um dia eu tinha uma reunião política e um encontro com a namorada, aí surgiu a letra de Amor (Te) Natal. Não tinha nada a ver com o que eu conversei com o Miguel, mas eu tinha que ter o pé na terra e amar. Fui na reunião e perdi a namorada. Era impossível não ter participação política naquela época.

NM: Como foi ser homenageado na Câmara de Mogi? Quais são seus planos?

Milton Feliciano foi homenageado em setembro na Câmara de Mogi (Divulgação/CMMC)

Milton: Eu estou vivendo um ano meio atípico, resolveram me homenagear na Câmara como escritor e poeta e eu não me considero nem escritor, nem poeta, mas eu escrevo e faço poesia. Vou receber uma homenagem em Pindamonhangaba em comemoração ao festival que a gente participou. Esse ano estou emplacado. E tem também o lado musical, em 1969 eu e o Miguel Colella ganhamos o Festival da Amba. Depois em 1978, eu e o Toninho Ferreira ganhamos outro festival de música, mais uma comemoração em novembro. O ano que vem o TEM vai completar 55 anos e eu pretendo chegar até 15 de novembro pra poder fazer pelo menos um show para comemorar a data. Isso é uma ideia que eu tenho e não sei se o pessoal vai me acompanhar. (Katia Brito / Foto principal: Reprodução Facebook)

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