Manter uma boa saúde bucal é fundamental durante toda a vida, começando na gestação e seguindo ao longo do processo de natural de envelhecimento, sempre com o acompanhamento de um cirurgião-dentista. E você sabia que existe uma especialidade voltada para pessoas idosas, a odontogeriatria? A cirurgiã-dentista Denise Tibério, presidente da Câmara Técnica de Odontogeriatria do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp), atua no segmento desde 2000, quando ainda não existia a especialidade no Brasil. Formada pela Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho (Unesp), tem especialização em Periodontia e Odontogeriatria, é mestre e doutora em Ciências da Saúde e autora do livro “Alzheimer na Clínica Odontológica”. Nesta entrevista, Denise destaca as principais doenças e os cuidados necessários para a saúde bucal da pessoa idosa.
Nova Maturidade: Por que resolveu se dedicar a odontogeriatria?
Denise Tibério: Quando me formei, a pequena parcela de cirurgiãs-dentistas que se formava migrava para área de Odontopediatria. Mas eu ingressei na Odontologia como clínica geral. Em 2002, comecei a fazer o atendimento domiciliar em idosos. Então comecei a observar o envelhecimento do público que eu atendia e, com o aparecimento de doenças crônicas, comecei a me questionar: “Será que posso aplicar o mesmo anestésico? O mesmo antibiótico? Será que as doenças não interferem na cavidade bucal? Ou será que as doenças da boca mudam o curso da doença?”. Aí resolvi começar a estudar e continuo até hoje. Meu primeiro curso de especialização foi multidisciplinar, em Geriatriae Gerontologia, no qual vi a necessidade de se criar um atendimento domiciliar odontológico aos idosos que não podiam sair de casa. Então adaptei um equipo (conjunto de acessórios) odontológico em uma mala de viagem para viabilizar o atendimento e iniciei essa jornada, que foi, e está sendo, motivadora a cada dia.
NM: O uso de muitos medicamentos, como frequentemente faz a pessoa idosa, influencia a saúde bucal?
Denise: O uso de medicamentos influencia no paladar e na saliva do idoso, além de muitos possuírem açúcar na sua composição, aumentando o risco de cárie e doença periodontal. Quando uma medicação já sendo usada, pode haver influência na escolha do anestésico e demais medicamentos a serem administradas pelo odontogeriatra.
NM: Quais cuidados que devem ser tomados na velhice?
Denise: Deve-se manter uma boa saúde bucal durante a vida toda, respeitando os cuidados necessários para cada faixa etária. Idosos mais jovens, com 60 anos, normalmente têm mais dentes que os idosos que já chegaram à casa dos 80 anos. Então devemos sempre pensar em escovas dentárias com cerdas macias, pois a mucosa se torna mais frágil. E a mesma atenção deve ser dada ao uso de fio dental e higiene da língua, como acontece em qualquer faixa etária.
NM: A rotina de higienização deve ser diferente?
Denise: Quando se fala em cuidados com os idosos, hoje se sabe da importância em se manter a cavidade bucal bem limpa. Em idosos hospitalizados, por exemplo, há um aumento da pneumonia por aspiração porque em muitos casos a higiene bucal não é a adequada.
NM: Como a saúde bucal impacta outras doenças?
Denise: Estudos mostram que a saúde gengival afeta o sistema cardíaco, a diabetes, doenças reumatoides. Em 2013, houve a primeira referência relacionando a doença gengival com o aparecimento de Alzheimer. A saliva é um componente importante para a manutenção da saúde bucal e, infelizmente, o uso de alguns medicamentos leva à boca seca. Assim, para ajudar a formação de saliva é necessário beber bastante água e aumentar a frequência da mastigação.
NM: Quais os principais problemas bucais entre as pessoas idosas, o câncer bucal é um deles?
Denise: Atualmente, o maior problema bucal para idosos dentados é a doença de gengiva, seja gengivite ou periodontite, pois, por ser uma inflamação crônica e indolor, passa despercebida pelos idosos. É apontada como fator de risco ou responsável por potencializar as doenças crônicas. Sem dúvida, o câncer bucal é uma doença prevalente em idosos, principalmente em idosos tabagistas e etílicos, que são fatores de risco. O acompanhamento feito por profissionais especializados é de extrema importância, pois eles poderão acompanhar esses pacientes e avaliar a saúde da gengiva, bem como pequenas lesões brancas ou negras que estejam em locais de difícil acesso ao leigo.
NM: Como fazer o diagnóstico precoce?
Denise: A melhor forma de diagnosticar problemas bucais é consultar o cirurgião-dentista regularmente. É o profissional quem irá determinar o tipo de tratamento a ser seguido.
NM: Quais os cuidados com próteses?
Denise: Quanto aos idosos com próteses totais (dentaduras), a literatura odontológica orienta a substituição a cada cinco anos. Porém, na prática, muitos idosos usam somente a prótese superior (dentadura). Como efeito colateral do uso inadequado, a movimentação dessa prótese resulta na perda óssea dos ossos maxilares. Como cada paciente idoso é singular, não são todos que desenvolvem os mesmos problemas, então é necessária uma avaliação específica feita pela visão gerontológica (ciência que estuda o envelhecimento) do odontogeriatra.
NM: Como ter uma boa saúde bucal?
Denise: Devemos sempre educar e conscientizar a população sobre a importância de ter hábitos saudáveis, como escovar os dentes e a língua após as refeições, antes de dormir e ao acordar, usar fio dental e visitar regularmente o cirurgião-dentista.
NM: Este cuidado deve ser iniciado na infância?
Denise: Até antes. Os cuidados com a saúde bucal devem ser iniciados ainda na gestação, com o pré-natal odontológico, e mantidos durante toda a vida.
NM: As pessoas hoje têm uma atenção maior com a saúde bucal?
Denise: De um modo geral, os idosos não têm o hábito de cuidar da saúde bucal porque vêm de uma cultura diferente da atual, na qual os jovens costumam estar mais atentos. Como eu falei, é preciso criar e cultivar bons hábitos.
NM: Como incentivar os cuidados com a saúde bucal?
Denise: As políticas voltadas nesse sentido para as crianças e jovens farão com que num futuro próximo tenhamos muitos idosos dentados, suprindo a falta atual de medidas preventivas voltadas ao público idoso. Dessa forma, a preocupação passará a ser orientar o paciente idoso sobre formas de produzir mais saliva, escolher o tipo de creme dental ou a escova de dentes mais adequada. A saúde bucal faz parte da saúde geral e devemos pensar no nosso envelhecimento. Termino deixando uma reflexão: o que os jovens estão fazendo para o envelhecimento deles? Afinal, a nossa saúde no futuro depende do que fazemos no presente. (Katia Brito / Imagem de JOSEPH SHOHMELIAN por Pixabay)