Integrantes do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL), do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), concluíram o sequenciamento do genoma completo de 1.171 idosos paulistanos, formando o maior banco de dados da América Latina. A análise dos dados permitirá identificar mutações genéticas responsáveis por doenças, estimar a incidência na população brasileira e encontrar variantes que podem ser determinantes para o envelhecimento saudável, entre outras aplicações.
Os resultados do estudo foram publicados na plataforma bioRxiv, em artigo disponível em inglês, ainda sem revisão por pares. “É o maior banco de DNA de pessoas idosas da América Latina e de uma população altamente miscigenada como a brasileira, resultado de um trabalho iniciado há mais de 10 anos”, disse à Agência Fapesp Mayana Zatz, professora do IB-USP e coordenadora do CEGH-CEL – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Os idosos, com média de idade de 71 anos e não aparentados, foram selecionados por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da USP no âmbito do Estudo Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (SABE), apoiado pela Fapesp.
Condições de vida
Iniciado em 2000, o SABE, coordenado pela professora Yeda Duarte, tem o objetivo de traçar o perfil das condições de vida e saúde de idosos que residem na cidade de São Paulo e em outros centros urbanos da América Latina e do Caribe a partir de entrevistas domiciliares, avaliações e exames médicos. “Esse estudo é representativo da população idosa de São Paulo porque é baseado no censo do município paulista e inclui pessoas de todos os níveis socioeconômicos”, avalia Mayana (foto: Cecília Bastos/USP Imagens).
Os idosos foram escolhidos como população-alvo para sequenciamento do genoma por já terem passado da idade de início de manifestação de uma série de doenças que surgem na velhice, como o Alzheimer e Parkinson, entre outras, explica a pesquisadora.
Análises
As primeiras análises do banco de dados genômicos dos idosos paulistanos, que incluem descendentes de imigrantes de diferentes continentes, permitiram identificar mais de 76 milhões de variantes genéticas, das quais dois milhões não estão descritas em bancos de dados genômicos internacionais. Uma das explicações para essa lacuna é que populações altamente miscigenadas, como a brasileira, estão sub-representadas.
A falta de diversidade nos bancos genéticos internacionais pode limitar o acesso de pessoas de ascendência não europeia aos benefícios da medicina de precisão e a testes com maior acurácia, aumentando potencialmente as disparidades de saúde, ressaltam os autores do estudo.
“O número excessivo de variantes não descritas indica que nossas populações parentais não estão representadas nesses bancos e reafirma a importância de sequenciar o genoma de brasileiros, especificamente, para reduzir as assimetrias de representatividade nos bancos genômicos internacionais”, aponta Michel Naslavsky, professor do IB-USP e primeiro autor do estudo, à Agência Fapesp.
Estimativa de doenças
Para demonstrar a utilidade clínica do banco de dados foram comparadas quase 400 mutações gênicas identificadas nos idosos com as apontadas como causadoras de doenças (patogênicas) nos bancos genômicos públicos para verificar se correspondiam a essa classificação.
“As análises comparativas permitiram reclassificar mais de 40% de mutações e apontar que algumas delas podem ter efeito menor do que o previsto anteriormente”, diz Naslavsky.
Os pesquisadores também selecionaram mutações associadas a doenças autossômicas recessivas – causadas pela herança de duas cópias alteradas de um mesmo gene, sendo uma proveniente do pai e outra da mãe – identificadas nos idosos para estimar a incidência delas na população brasileira. Entre as doenças estão a fibrose cística – mais comum entre os europeus –, a anemia falciforme – mais prevalente entre os africanos –, surdez relacionada ao gene GJB2 e a febre familiar mediterrânea.
No caso da fibrose cística, por exemplo, a frequência é de um caso em cada 2 mil nascidos na Europa, enquanto no Brasil a incidência estimada é de um caso em cada 10 mil. “A incidência dessa doença é maior na Europa porque a mutação causadora é mais comum em caucasoides. Como a população brasileira é muito mais miscigenada, ela é mais rara no país”, explica Zatz.
Políticas de saúde
A surdez relacionada ao gene GJB2 e a febre familiar mediterrânea são as doenças autossômicas recessivas que aparecem com mais frequência em brasileiros, indica o estudo. Isso se deve, provavelmente, à contribuição genética ibérica, mediterrânea e do Oriente Médio, estimam os pesquisadores.
“Além da importância na medicina de precisão, esses resultados demonstram que o sequenciamento de genomas completos pode auxiliar na elaboração de políticas de saúde pública ao ajudar a estimar quantas pessoas podem nascer com doenças genéticas em uma determinada população”, avalia Naslavsky.
(Fontes: Agência Fapesp e Governo do Estado de São Paulo /Imagem de Gerd Altmann por Pixabay)