Dia 15 de junho é Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, data instituída em 2006 pela Organização das Nações Unidas (ONU) e a Rede Internacional de Prevenção á Violência à Pessoa Idosa, e que deu origem a campanha Junho Violeta. Em plena pandemia de Covid-19, o que a data tem diferente em 2020? Quem responde é Eva Bettine, gerontóloga e mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Reabilitação e estimulação cognitiva e presidente da Associação Brasileira de Gerontoogia (ABG).
“A diferença desse 15 de junho de 2020 para os demais é que especialmente nesse momento, a gente tem visto uma ação muito mais violenta com relação as pessoas idosas do que já ocorria na sociedade brasileira”, avalia Eva, que também é uma das coordenadoras do curso de pós-graduação em Gerontologia da Faculdade Paulista de Serviço Social (FAPSS).
Com a questão da pandemia e o isolamento social, chamado posteriormente de distanciamento social, o preconceito sobre os velhos foi evidenciado, na opinião de Eva. De acordo com ela, inicialmente se repetia o slogan usado na gripe espanhola, chamada de gripe mata velho. O problema, porém, é que todos podemos tanto ser contaminados como ser vetores e contaminar os outros.
“É uma responsabilidade social coletiva e nós não estávamos vendo isso. Fora isso ainda tinha alguns exemplos vindo da esfera mais central no governo dizendo que era só para deixar os velhinhos em casa, e que as pessoas tinham que trabalhar, inclusive dizendo que eles já estavam para morrer mesmo”, destaca a presidente da ABG. Situação que estigmatizou parte da população, causando medo e terror.
Preconceito etário
Com o passar dos meses e a contaminação de profissionais de saúde e pessoas mais jovens, ficou evidente o equívoco de considerar a idade como fator de risco, aponta Eva: “Fator de risco é alguma coisa que você poderia evitar. A idade da gente é um marcador de risco, não que ela seja determinante. Agora com a Covid foi colocado que todas as pessoas acima de 60 anos estavam em um grupo de risco muito maior, estavam sujeitas a ter mais complicações se fossem infectadas. Do jeito que era colocado dava impressão que só velho pegaria e todo mundo estava livre”.
Assim o preconceito pela idade (etário) que já existia dentro das famílias e comunidades, foi amplificado. “Eu fico pensando que as pessoas até gostaram dessa ideia de mandar os velhos para dentro de casa de novo, porque começou a incomodar. As pessoas começaram a viver mais, a ir para todos os lugares. Antes você não via uma cabecinha branca”, ressalta.
Violência
E sob a imagem da proteção, a violência contra a pessoa idosa também cresceu, presente em frases como: ‘Não papai, vovô, titio, fica aí, você precisa ficar. Nós estamos te protegendo, deixa que eu faço para você’, como esclarece a presidente da ABG: “Nessa vestimenta da proteção tem também uma violência. Você não está violentando, mas a pessoa está sentindo essa violência. O que pode ser feito lógico se a pessoa tem que ficar na sua casa, é falar: ‘Olha eu sei que você tem capacidade, poderia ir, mas vamos evitar. Se a gente conseguir fazer tudo da melhor forma, se você vier a contrair você, aí não tem do que se arrepender’.
Entre as violências contra a pessoa idosa, Eva lista as negligências; a violência física que é a mais evidente; a psicológica; a pecuniária, que a gente chama quando alguém se apropria do dinheiro da pessoa, faz empréstimo no nome da pessoa; abuso sexual e abandono. “A negligencia é uma das piores porque não aparece muito é bem comum. A pecuniária é aquilo que acontece desde sempre, e agora então? Se o velho não pode sair para o banco, aquele que podia ir, agora nem isso ele pode porque a pessoa está protegendo: ‘deixa que eu vou pra você’”, alerta Eva. Leia mais na matéria sobre o aumento de denúncias no Disque 100 (clique aqui).
Memes
Uma das ações da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG) neste período de pandemia foi chamar a atenção para os memes que se multiplicavam nas redes sociais. Leia no site da ABG a nota de repúdio publicada pela entidade. O compartilhamento desse humor de gosto duvidoso colabora com o preconceito.
“A pessoa acha que tá fazendo a brincadeira com a outra pessoa e na verdade tá multiplicando o preconceito e colaborando. O que eu tenho orientado e quando eu recebo alguma coisa desse tipo, é dizer: ‘daqui na passa, volta pra você e se você puder voltar para quem te mandou ao invés de caminhar para a frente, ele vai voltando’. Preconceito contra velho não passa por aqui”.
ILPI
Outro ponto importante é a questão das instituições de longa permanência para idosos (ILPI), que foi tema de um relatório técnico preparado por uma Frente Nacional da qual a ABG faz parte. A contaminação em instituições é chamada pelos especialistas de geronticídio. Algo que começou a ser pensado recentemente, quando se percebeu que só suspender as visitas não adiantava.
Eva destaca que um projeto de lei foi aprovado rapidamente pelo Congresso para que recursos do Fundo Nacional do Idoso seja distribuído para as instituições. “Sem um dinheiro extra como é que as ILPIs, com aquele mesmo valor que cobravam da família, aquelas que cobram, vai poder equipar todos os seus funcionários, comprar os EPIs (equipamentos de proteção individual), descartáveis, e tentar isolar as pessoas quanto estiverem contaminadas?”.
Caminhos
Como mudar o olhar da sociedade sobre a população idosa? A educação é o caminho para Eva, assim como campanhas publicitárias de combate ao preconceito. “Não sou tão otimista de achar que logo deve mudar por ser uma questão histórica, mas o caminho é sempre pela educação, mas não só que nas grades curriculares existisse educação para o envelhecimento como o artigo 22 do Estatuto (acesse o texto completo na lateral do blog). Eu participo de um fórum para tentar implantar de fato esse artigo 22, mas só algumas escolas têm iniciativas solitárias, de uma professora, uma educadora que tem consciência e começa a explicar as coisas, mas não é uma coisa com método como deveria ser”.
Gerontologia
Quem tem um papel importante também são os profissionais da Gerontologia. “O pessoal da Gerontologia deveria fazer essa ponte com a educação. Não ir dar aula para as crianças, mas fazer capacitação dos educadores. A gente como associação, como gerontólogo ou como especialista em gerontologia tem obrigação de falar em todos os lugares, onde a gente for, não deixar as pessoas brincarem com esta questão, colocar a pessoa mais velha em evidencia”.
A presidente da ABG lembra brincadeiras e expressões que infelizmente fazem parte do cotidiano com foco na idade como “data de nascimento antiga”, “problema de junta”, “Ah, eu não quero falar a minha idade”, “Não vou falar que eu gostava desse cara porque vou denunciar minha idade”.
Eva prefere usar a palavra velho e não idoso. “É como criar uma comunidade separada dos outros seres. São pessoas, pessoas que são mais velhas só isso, mas não mudaram em nada. Se você andou em cima daquele joelho mais de 60 anos, a tendência é criar uma artrose, uma artrite, mais do que uma pessoa que começou a andar sobre ele a 20, mas é o tempo que passou e depende da sua atividade”, salienta. Nos grupos 60+ em que dá aulas, ela conta que muita gente não tem nada e não toma remédios.
“A idade cronológica não é nada, só mostra quanto tempo passou desde que você nasceu, porque a idade psicológica tem um efeito, a social tem outro, mesmo o envelhecimento biológico tem outros determinantes. A idade serve como marcador legal, de outras formas não tem nenhuma evidência que seja determinante”, finaliza.